sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Retorno à Bota

O relógio na televisão marca 3:29. Acordei há vinte minutos e foi inútil a tentativa de voltar a dormir. Talvez eu ainda não esteja adaptado ao fuso, talvez eu esteja por demais excitado.

 

O curioso é que, em outras ocasiões, essas cinco horas de diferença não haviam exercido sobre mim nenhuma diferença significativa. Mas, dessa vez, as quase doze horas de São Paulo a Milano me deixaram exausto. Pés inchados, joelhos doendo. I`m getting old.

 

A frase não me sai da cabeça. Mais uma das minhas cheese movie lines, como diria uma minha amiga. Ao meu lado no vôo, uma vovó, nos seus setenta anos, indo encontrar em Milão um de seus três filhos, que moram e trabalham no período noturno em um supermercado de Londres. Todos “pegaram” a cidadania italiana.

 

A vovó, que foi autorizada a ficar apenas quinze dias pela polícia de fronteira londrina no  ano passado, quando queria passar três meses com os filhos, não deixou por menos. Agora também ela “pegaria” a cidadania, afinal o falecido marido era italiano e ela estava em seu direito, apesar de não saber muito o que fazer com o passaporte vermelho, nem ter vontade de morar no velho continente.

 

É curioso que esteja eu pensando no exercício de minha cidadania italiana, e, desde sempre, em todos os meus vôos para a europa, tenha encontrado brasucas em busca do “passaporte”. Assim, como que por acaso, sem querer ou procurar saber, lá estou vendo ou conversando com alguém que está indo à Itália para reconhecer sua ascendência. E ai me lembro de mais uma frase feita, dessa vez de meu grande amigo, siamo tutti buona gente.

 

Ao chegar no controle de passaportes, a fila gigante da imigração. Mulçumanos, africanos, japoneses, e os colegas de vôo do Brasil. A fila para europeus não existia. O oficial mal segurou meu passaporto, e me acenou a passar em frente. Pensei em tirar uma foto, mas já estava procurando minhas malas na esteira.

 

Desde o aeroporto, quando minhas malas caíram escada rolante abaixo, até o hotel, quando o taxista desembarcou minhas malas na recepção, as pessoas me foram muito cordiais e prestativas. Todavia, a sensação de que falo menos italiano que tempos atrás me é frustrante, e me sinto um pouco menor. Mas isso é fato que em breve se resolverá.

 

Cheguei ao hotel Delle Nazione, pertinho da Centrale de Milano, e que possui um ótimo custo benefício, e me deixei quedar na cama. Só iria para Venezia em três dias, que é quando o meu apartamento estaria à disposição. Prometi descansar nesses dias, e, no máximo, dar uma ida ao San Siro, que ainda não conheço.

 

Muito provavelmente o fato de não termos free internet no hotel tenha contribuído com que, ao acordar, a frase que dizia ”você tem um ano para conhecer lugares, descanse,” tenha se desfeito no ar. Saquei de uma das malas o Guia Europa: Como, Turim, Genova, Mantova. Na estação o acaso decidirá. Posso até estar mais velho, mas, do alto dos meus vinte-e-cinco anos, ainda tenho muita disposição e ainda sinto que não há tempo a perder nessa vida.

 

E, depois de passar a manhã em Como, com seu belo e infindável Lago, passei a tarde na Suiça, em Lugano, como quem vai alí, tomar chá-da-tarde em Ibirité. E, logo mais, dentro em quatro horas, quando eu tiver acordado de fato, e tiver me servido do péssimo café-da-manhã do hotel, vou à Genova. Mas sobre esses passeios falarei em outra oportunidade.

 

Por fim,  a frustração de não poder falar com os meus queridos no Brasil, quando ainda devem estar todos acordados. Que saudade já me faz.

 

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Mais do mesmo?

A cidade é europeia, e muito conhecida em todo o mundo. Em especial pelas devastadoras lembranças da Segunda Grande Guerra, que, vez em quando, são reavivadas em livros e filmes. As ruas de Berlin, que ainda me são desconhecidas, estavam cheias naquela quente tarde de verão. Duas centenas de milhares de pessoas a ouvir empolgadamente alguém que discursava.

O discurso era político e proferido por um candidato à candidato. Concorria para concorrer ao cargo de presidente. Presidente da Alemanha não, mas, como gostam de dizer os americanos, da América. Um aspirante ao cargo mais importante do mundo.

Confesso minha estupefação ante ao fato, e fiquei por dias e dias a me questionar sobre como as coisas funcionam nesse mundo de meu Deus. É certo que o mundo acompanhava voto a voto a indicação dos candidatos à presidência dos Estados Unidos da América. Todavia, pensava eu, quando um pré-candidato reúne uma verdadeira multidão para um comício, em outro continente, e que essas pessoas, que não são seus eleitores, o vêem como mais novo Messias, algo de muito grave deve estar acontecendo no mundo.

Barack Obama, afro-descendente, com meio-irmãos e avó vivendo em penúria na África, era ovacionado por tão improvável audiência ariana. E como falou àquele povo sobre os muros que atrapalham a nossa existência. E como foi aplaudido.

Há apenas quarenta e cinco anos Martin Luther King era assassinado defendendo que os negros americanos fossem respeitados como seres humanos em sua plenitude. E, hoje, Obama aparece como o grande favorito nas eleições. Como o mundo pode mudar tão rapidamente, continuo insistindo e buscando respostas.

Tamanho é o poderio norte-americano que o mundo se volta a observar a escolha do novo César. E esses questionamentos me levaram a outros. Queria saber quantos presidentes, na história americana, não estiveram envolvidos em questões bélicas, seja iniciando, seja encerrando a participação em conflitos anteriores. É possível que não se encontrem muitos. Com Obama não será diferente. Eleito que seja, deverá conduzir diversos fronts de guerra, iniciados pelo antecessor, conhecido, carinhosamente, como O Senhor das Guerras.

E o primeiro negro com possibilidades de vir a comandar o maior artefato bélico mundial, declara, em seu primeiro discurso oficial, que acabará com as guerras no Iraque e no Afeganistão. Afirma que procurará energias renováveis, ajudando a salvar o meio ambiente. Oferece esperança de dias melhores ao mundo, e o mundo o segue.

Ainda temeroso quanto à falta de inteligência das unanimidades, bem como pelo surgimento de novo ciclo de salvadores da pátria, ou do mundo, no caso, confesso rondar-me certa expectativa. Confesso que, cético, estarei pronto a aplaudir a esperada mudança, com efetivo respeito aos Direitos Humanos pelos Estados Unidos da América para com o resto do mundo.

Aqui no Brasil já nos é velha conhecida a fórmula dos políticos em prometer vida melhor a todos. Com a exceção de que não existem guerras declaradas por aqui, a retórica pomposa sempre se esvazia, tornando a frustração do povo sempre atual.

Que Obama não seja mais um especialista em retórica eleitoreira, mas sim o maior líder do novo século, promovendo a paz, a liberdade e o desenvolvimento das nações, dos povos, dos indivíduos. Que a promessa de refazer o mundo não seja feita apenas de palavras vazias. Se o próximo presidente se propuser a diminuir o intervencionismo e o militarismo já teremos um grande avanço. Oxalá.

domingo, 6 de julho de 2008

O primogênito

Em geral, os pais sonham que seus filhos sejam melhores do que eles próprios. Em geral, os filhos sonham em pelo menos se igualarem à seus pais. Estou às vésperas do meu vigésimo sexto aniversário, aniversário que meu pai não completou, ficando no quarto de século.

Olho para meus anos, minha vida, e a comparo à de meu pai. Olho para dentro e me vejo menino, procurando lugar no mundo de gente grande. Olho para trás, buscando saber quem foi o meu pai. Ah, o meu pai, o que fez nesse mundo, quais as suas conquistas, qual o seu legado, me questiono.

Me questiono para saber se no rumo certo estou. Ah, o meu pai. Que aos vinte e cinco anos já estava casado e mantinha um lar. Ah, o meu pai, que momentos antes de partir, em verdade seu gran finale, deixou no ventre de minha mãe o seu feito maior.

Por diversas vezes tenho alguns pensamentos que podem parecer mórbidos, mas que, em verdade, deveriam me empurrar à frente. Estou prestes a alcançar idade que meu pai não alcançou, e o que sou?

O que deixaria para o mundo, caso o anjo da morte viesse a minha porta neste exato momento? Teria eu superado, ou ao menos alcançado, os feitos de meu pai, que tão pouco tempo de vida teve? Certamente não. E, de repente e sem cerimônias, pensamentos paternais passam a rondar minha mente, inspirado pela notícia de tantos amigos prestes a contrair núpcias, a me mostrar que os tempos de infância já estão distantes.

Quero ter um filho. Um filho há de ser o meu legado, assim como meu pai o fez. Um filho, e o igualaria. Vários filhos, e meu pai, certamente orgulhoso, seria por mim superado. Sim, desejo ter um filho, e isso urge, mas os pensamentos em minha mente são inquietantes e constantemente se perdem.

Os pensamentos em minha mente precisam e devem ser libertados. Os pensamentos em minha mente precisam nascer. E o parto de meus pensamentos é doloroso. Os meus pensamentos nascem à medida em que os rabisco na folha branca. E, sentindo prazer naquela estranha dor, torno-me pai e mãe dos meus filhos.

Hoje, ao encher de letras a folha branca, posso dizer que estou a me igualar ao meu pai. E que, se hoje fosse o último dia, algum legado ao mundo teria sido por mim deixado. Meu legado ao mundo será, primeiramente, a escrita de meus inquietantes pensamentos.