domingo, 6 de julho de 2008

O primogênito

Em geral, os pais sonham que seus filhos sejam melhores do que eles próprios. Em geral, os filhos sonham em pelo menos se igualarem à seus pais. Estou às vésperas do meu vigésimo sexto aniversário, aniversário que meu pai não completou, ficando no quarto de século.

Olho para meus anos, minha vida, e a comparo à de meu pai. Olho para dentro e me vejo menino, procurando lugar no mundo de gente grande. Olho para trás, buscando saber quem foi o meu pai. Ah, o meu pai, o que fez nesse mundo, quais as suas conquistas, qual o seu legado, me questiono.

Me questiono para saber se no rumo certo estou. Ah, o meu pai. Que aos vinte e cinco anos já estava casado e mantinha um lar. Ah, o meu pai, que momentos antes de partir, em verdade seu gran finale, deixou no ventre de minha mãe o seu feito maior.

Por diversas vezes tenho alguns pensamentos que podem parecer mórbidos, mas que, em verdade, deveriam me empurrar à frente. Estou prestes a alcançar idade que meu pai não alcançou, e o que sou?

O que deixaria para o mundo, caso o anjo da morte viesse a minha porta neste exato momento? Teria eu superado, ou ao menos alcançado, os feitos de meu pai, que tão pouco tempo de vida teve? Certamente não. E, de repente e sem cerimônias, pensamentos paternais passam a rondar minha mente, inspirado pela notícia de tantos amigos prestes a contrair núpcias, a me mostrar que os tempos de infância já estão distantes.

Quero ter um filho. Um filho há de ser o meu legado, assim como meu pai o fez. Um filho, e o igualaria. Vários filhos, e meu pai, certamente orgulhoso, seria por mim superado. Sim, desejo ter um filho, e isso urge, mas os pensamentos em minha mente são inquietantes e constantemente se perdem.

Os pensamentos em minha mente precisam e devem ser libertados. Os pensamentos em minha mente precisam nascer. E o parto de meus pensamentos é doloroso. Os meus pensamentos nascem à medida em que os rabisco na folha branca. E, sentindo prazer naquela estranha dor, torno-me pai e mãe dos meus filhos.

Hoje, ao encher de letras a folha branca, posso dizer que estou a me igualar ao meu pai. E que, se hoje fosse o último dia, algum legado ao mundo teria sido por mim deixado. Meu legado ao mundo será, primeiramente, a escrita de meus inquietantes pensamentos.